O processo de tomada de decisão no mar está cada vez mais inserido no contexto da automatização, o que aumenta a sua complexidade em uma indústria em que até 80% dos acidentes estão relacionados a fatores humanos. A dependência excessiva de aparatos tecnológicos de navegação e a incapacidade de distinguir informações relevantes em meio a emergências passam a ser pontos de atenção, segundo o diretor de Portos e Costas da Marinha, vice-almirante Alexandre Cursino de Oliveira. Por isso, ele ressalta que é importante sempre desenvolver a consciência situacional, ou seja, a percepção da situação ao seu redor, a compreensão do seu significado e a projeção da condição futura. A boa notícia é que a mesma tecnologia pode ajudar nesse treinamento cognitivo, como no uso que os práticos fazem de simuladores de manobras, exemplificou o diretor.
O vice-almirante fez a palestra de abertura do seminário “O fator humano na segurança da navegação”, evento realizado, na segunda-feira (25/10), pela Praticagem do Rio de Janeiro, com o apoio institucional do Tribunal Marítimo, da Procuradoria Especial da Marinha e da Praticagem do Brasil.
– O treinamento em simuladores precisa ser incrementado com todo esse contexto tecnológico, para complementar a qualificação do prático. A atividade de praticagem é empírica, o prático tem que estar manobrando. Mas cada vez mais a automação vai exigir uma preparação prévia, para que o prático possa se antecipar à eventual falta da tecnologia ou a emergências em que as informações correm muito rápido. E se ele não selecionar os dados corretos e não tiver uma disciplina para avaliar a urgência na tomada de decisão, a segurança da manobra pode ser comprometida – afirmou Cursino em entrevista após a sua palestra. – Antigamente, o marinheiro era muito medido pela sua capacidade de manobrar. Hoje, ele tem que ser um gerenciador e isso pode ser treinado.
Em dezembro, a Praticagem do Brasil vai inaugurar o seu centro de simulações de manobras em Brasília. Localmente, as empresas de praticagem também têm instalado simuladores em suas sedes, entre elas a Praticagem do Rio.
Em sua apresentação, o juiz-presidente do Tribunal Marítimo, vice-almirante Wilson Pereira de Lima Filho, destacou o índice bastante reduzido de acidentes nos portos brasileiros, de 0,018% em nove anos. Ele também defendeu a importância do treinamento entre os fatores influenciadores de desempenho:
– O prático, por exemplo, tem que manter a sua qualificação, especialmente em zonas de praticagem com grande quantidade de terminais portuários, como as ZPs 1 (Bacia Amazônica Oriental) e 15 (RJ).
Lima Filho elencou ainda outros fatores que afetam o desempenho a bordo: formação, conhecimento das normas marítimas, cultura de segurança, ambiente de trabalho, estado emocional/psicológico da tripulação, comunicação, fadiga, vigilância/atenção e estado de saúde.
– A tendência de reduzir tripulações leva ao problema da fadiga em algumas situações – apontou.
No caso da praticagem, o diretor de Portos e Costas disse que a escala de rodízio única de serviço é muito importante para que todos os práticos possam manter a sua qualificação e evitar a fadiga:
– A escala é uma ferramenta que a Autoridade Marítima prevê para que as suas preocupações com a segurança da navegação e a salvaguarda da vida humana no mar sejam observadas. E isso está intrinsecamente ligado ao fator humano.
O evento no Rio reuniu outros palestrantes como a diretora da consultoria Symbállein, Carmen Migueles; o diretor substituto da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Raphael Moura; o consultor da Interface, José Luiz Lopes Alves; o professor Marcelo Ramos Martins, do Laboratório de Análise, Avaliação e Gerenciamento de Risco da USP; e o prático Luiz Antonio Raymundo da Silva, que apresentou uma visão de bordo do fator humano.
O presidente da Praticagem do Rio, prático Marcello Camarinha, encerrou o seminário:
– Buscamos fomentar o debate sobre procedimentos e habilidades e limitações do ser humano, para aumentar a mentalidade da segurança no exercício das nossas atividades. E me refiro não só aos práticos, mas também aos profissionais que tripulam as nossas lanchas e aos operadores que guarnecem as nossas atalaias 24 horas por dia nos 365 dias do ano. Esperamos que a semente tenha sido plantada e gere ampla discussão para o estabelecimento de comportamentos adequados em prol de um trabalho cada vez mais seguro.
Confira as palestras em: youtube.com/watch?v=3JCT321jQ14
fonte: www.praticagemdobrasil.org.br